Sunday 24 March 2024

Rua Nova do Almada, à Boa Hora

À direita, sul, desce a Rua Nova do Almada, artéria já existente desde 1665 — recorda Norberto de Araújo — ainda que, precisamente, não arruada e rectificada, como depois de 1755 o foi. Deu o nome à Rua Rui Fernandes de Almada, que foi presidente do Senado Municipal.

À semelhança das outras ruas do Chiado, também esta artéria foi conhecida pelas suas magnificas lojas de que se destacavam o «Eduardo Martins», a «Casa Batalha» e a «Pastelaria Ferrari», desaparecidas aquando do incêndio de Agosto de 1988.
Até aos anos 50, do século XX, também ali esteve a Igreja da Conceição Nova construída em 1698 e restaurada depois do Terramoto de 1755. O arquitecto da reconstrução foi Remígio Francisco de Abreu.

Largo da Boa Hora |1908|
Cruzamento das ruas Nova do Almada e de São Nicolau (esq.)
Vendedor ambulante de gelados
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente
Nota(s): Foto erradamente catalogada no abandalhado AML como Rua do Loreto.
Rua Nova do Almada |1918|
Junto ao Largo da Boa-Hora
Luís Pastor de Macedo adianta que a Rua Nova do Almada foi criada por carta de lei de 17 de Junho de 1787.
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Aqui temos o Largo da Boa Hora, com seu sinistro casarão do Tribunal, o repulsivo Tribunal da Comarca de Lisboa, actualmente em obras, mas que continuará. a ser, mesmo asseado e limpo, um aleijão, simulacro ridículo de um vago Palácio da Justiça — que, parece, nunca veremos de pé.==
(ARAÚJO, Norberto de, «Peregrinações em Lisboa», vol. XII, p. 90, 1939)

O topónimo Boa-Hora provém do Convento da Boa-Hora que hoje conhecemos no local como Tribunal da Boa-Hora.
A designação São Nicolau deriva da proximidade à antiga Igreja de S. Nicolau que foi reedificada pela primeira vez em 1280 e após o Terramoto, quase foi construída toda de novo, com obras que decorreram de 1780 a 1850.

Rua Nova do Almada |1967|
Junto ao Largo da Boa Hora
Vasco Gouveia de Figueiredo, in Lisboa de Antigamente
Rua Nova do Almada |1965-03|
Junto ao Largo da Boa Hora com a Rua de S. Nicolau
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente

Friday 22 March 2024

Convento do Rego: antiga igreja do Hospital Curry Cabral

De acordo com o olisipógrafo Norberto de Araújo no sitio onde está actualmente o Hospital Curry Cabral «assentou o Convento das Convertidas de Nossa Senhora do Rosário, de religiosas franciscanas, fundado depois de 1768 por D. Margarida das Mercês de Maré, dama francesa e mais tarde chamado do Rosário e das Dores [...]. Deve-se a D. Maria I a ampliação do Real Recolhimento do Rego e a construção da Igreja, da qual aí tens apenas a fachada, cujo pórtico é sobrepujado pelas armas reais da «Piedosa».
Extintas as ordens religiosas e morta a última freira, o Recolhimento conventual na aparência e na missão, esteve muitos anos abandonado. (...) Em 1905 foi transformado (Hintze Ribeiro) em Hospital para doenças infecciosas [...]

Antiga capela do Hospital Curry Cabral |1944|
|Demolida na década de 1950|
Rua da Beneficência, antes Largo do Rego à Palma de Cima
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

A Igreja do antigo Convento, que em tempos serviu de depósito e, durante algum tempo, de casa mortuária, está desde há muito desmantelada; não possuiu, aliás, valor artístico. Desde 1935 foi cedida ao Patriarcado para depósito de imagens e acessórios que pertenceram à Igreja de S. Julião, substituída, como já to tenho dito, pela vizinha Igreja, nova, de N. Senhora de Fátima.==
(ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV, pp. 58-59, 1939)

Igreja e Convento das Convertidas de Nossa Senhora do Rosário |1840|
Pereira, Luís Gonzaga, 1796-1868l, in Lisboa de Antigamente

N.B. Outras designações :Convento de Nossa Senhora das Dores de Lisboa; Convento de Nossa Senhora do Rosário das Dores; Convento do Rego; Recolhimento de Nossa Senhora das Dores e Santíssimo Rosário; Recolhimento das Convertidas do Rêgo; Recolhimento das Mulheres Perdidas do Rego; Recolhimento da Associação das Servitas de Nossa Senhora das Dores.

Sunday 17 March 2024

Antiga Rua Martim Moniz antes das demolições efectuadas na Baixa da Mouraria

Na Baixa da Mouraria, onde o passado e o presente se entrelaçam, encontramos o Martim Moniz, encravado entre o Borratém, a Rua da Mouraria, o começo da Rua da Palma, a encosta que leva ao Hospital de S. José, o início da Rua de S. Lázaro e as traseiras de S. Domingos. Com as demolições na Baixa da Mouraria, parte da Rua da Palma foi derrubada e, com ela, o velho Teatro Apolo, antes chamado do Príncipe Real (D. Carlos), apenas pouparia o bairro da Mouraria e a Ermida de Nossa Senhora da Saúde.

A ocupação humana deste lugar remonta a 8 mil anos atrás como povoado neolítico da encosta de Sant ' Ana, situado na margem do Regueirão dos Anjos, no vale da Mouraria. Porém, somente a partir da Idade Média a fixação humana neste local se tornou mais significativa. No século XIV a área correspondente à praça actual era atravessada pela Cerca Fernandina (1373-1375), estrutura muralhada que delimitava a cidade e da qual ainda hoje restam vestígios na zona, como a Torre do Jogo da Péla.

Antiga Rua Martim Moniz antes das demolições efectuadas na Baixa da Mouraria |c. 1949|
Actual Praça de Martim Moniz
Estúdio Horácio Novais, in Lisboa de Antigamente
Nota(s): o local e a data da foto não estão identificados no arquivo (FCG)

A intenção de unir o núcleo histórico à cidade em expansão, e as medidas higienistas e embelezadoras do regime político de então, determinaram as demolições empreendidas nas décadas de 40 e 50 do século XX. Desaparecia uma dezena de ruas, becos e pátios e com eles uma parte significativa da memória da cidade.

Antiga Rua Martim Moniz antes das demolições efectuadas na Baixa da Mouraria |c. 1949|
Actual Praça de Martim Moniz
Estúdio Horácio Novais, in Lisboa de Antigamente
Nota(s): o local e a data da foto não estão identificados no arquivo (FCG)

Friday 15 March 2024

Cantina Escolar de Alcântara

A Cantina Escolar de Alcântara, inaugurada a 25 de Julho de 1909, estava vocacionada para a protecção das crianças da Escola Asilo S. Pedro de Alcântara, Sociedade Promotora de Educação Popular e Escola Paroquial das Necessidades. Funcionava em terreno cedido pela Câmara Municipal de Lisboa, na Rua de Alcântara, n.º 27. Tinha uma grande sala de refeições e uma grande sala de banho para banhar as crianças. A primeira refeição foi servida a 50 crianças. Os sócios da cantina eram 400. Em 1910 contava com 900 sócios e alimentava 200 crianças.
(RIBEIRO, Lia. A popularização da cultura republicana: 1881-1919, pp. 178-179, 2011)

Rua de Alcântara, 27 |1909|
Cantina Escolar de Alcântara, instalada no edifício da escola central n.º 76 
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Sunday 10 March 2024

Palácio Alverca: O Magestic Club e o Monumental Club

Dois dos clubes em foco, o Magestic, entre 1917 e 1920, e depois o Monumental, até 1928, ocupam o edifício do Palácio Alverca, também conhecido por Palácio de São Luís ou Palácio Paes do Amaral, situado na via hoje identificada por Rua das Portas de Santo Antão. [...]

A construção da mansão da família Paes de Amaral, viscondes de Alverca, é datada, por diferentes olisipógrafos, dos finais do século XVII. Desconhece-se, no entanto, uma data precisa ou fontes que comprovem esta datação. A fundamentar esta hipótese são evocados alguns elementos arquitectónicos presentes no edifício, anteriores à transformação do Palácio Alverca em 1917-1919. O edifício terá sido erguido, após o terramoto, no espaço liberto das muralhas [Cerca Fernandina] da cidade e sobre parte das suas ruínas.

Palácio Alverca |1968|
Casa do Alentejo desde 1932. Rua das Portas de Santo Antão
Armando Serôdio ,in Lisboa de Antigamente

Segundo o olisipógrafo Luís Pastor de Macedo, no local onde foi erguido o Palácio, e onde funciona depois o Magestic Club e, posteriormente, o Monumental Club, existira antes um curral de porcos:
«No chão onde esteve o curral dos porcos, edificou-se, muitos anos depois, o palácio de Miguel Pais do Amaral, no qual, já nos nossos dias, esteve o clube mais chique de Lisboa – O Monumental. Quem pensaria então, naquelas noites lilases ou azuis, com tangos rosas ou verdes, que ali, no mesmo sítio, também já tinham chafurdado porcos? [...]
Entre 1917 e 1919, o Palácio Alverca é objecto de uma profunda intervenção, a fim de acolher o Magestic Club. No processo de obras salienta-se que nos trabalhos serão utilizados unicamente materiais de «primeira qualidade» e que todas as obras seriam «executadas conforme preceitos técnicos de construção e com os cuidados e fiscalização que a importância das obras do club reclamam». [...]

Palácio Alverca: O Magestic Club e o Monumental Club |c. 1930|
Rua das Portas de Santo Antão
Pátio estilo neo-árabe risco do arquitecto Silva Júnior (1918)  e escadaria.
Naturalmente em «pastiche», transpira certa frescura mourisca, mesmo nas varandas, escadaria e galerias. [Araújo: 1939]
Fotografia: Casa do Alentejo 

Segundo a descrição feita na época pela revista A Arquitectura Portuguesa, que pela grandiosidade da obra lhe dedica dois números seguidos, o projecto da Sociedade do Magestic Club não tinha como objectivo único ganhar fortuna: era antes uma empresa com fins patrióticos, que ambicionava abrir, em local apropriado, um «club de primeira ordem, para ser apresentado pela primeira sociedade e onde, os estrangeiros que visitassem o nosso país, pudessem ser condigna e luxuosamente recebidos».
A revista descreve ainda a «grandiosa escadaria» que uma porta vulgar não deixa adivinhar, a sala de bilhar, a «sala de Bridge e outros jogos de vaza», o bengaleiro, o vestiário de homens e senhoras, as casas de banho, o Toilette das senhoras em estilo Luís XV, a barbearia e o gabinete do director, mencionando ainda sete gabinetes reservados ainda não concluídos na altura da publicação do artigo. É de referir a menção ao cuidado sistemático para que toda a decoração e mobiliário destes espaços estejam de acordo com a decoração e o estilo arquitectónico adoptado.

Palácio Alverca: O Magestic Club e o Monumental Club |c. 1930|
Rua das Portas de Santo Antão
Salão dos espelhos em estilo neo-barroco (Salão de Baile e Restaurante).
A. sala de baile é toda decorada no tecto e nas paredes por Bemvindo Ceia, e outra sala contigua apresenta pinturas de Domingos Costa. [Araújo: 1939]
Fotografia: Casa do Alentejo 
Palácio Alverca: O Magestic Club e o Monumental Club |c. 1930|
Rua das Portas de Santo Antão
Sala de Bridge e outros jogos de vaza com pinturas de Domingos Costa
.
Fotografia: Casa do Alentejo 
Palácio Alverca: O Magestic Club e o Monumental Club |c. 1930|
Rua das Portas de Santo Antão, 44-60
Pormenor  de uma das pinturas de Domingos Costa que cobrem as paredes da Sala de Bridge e outros jogos de cartas.
Fotografia: Casa do Alentejo 

O Monumental procura manter essa imagem de exclusividade, luxo, elegância e respeitabilidade sendo, nos anos seguintes, palco de diversos almoços e banquetes, alguns dos quais verdadeiramente luxuosos. Contudo, tal não impede a sua associação ao jogo e a outras actividades consideradas por alguns como imorais. A 24 de Novembro de 1928, um correspondente em Lisboa do jornal O Provir de Beja dá notícia de um fogo ocorrido no clube em meados desse mês, comentando que a Natureza, indignada com as imoralidades ali praticadas, se revoltou e «pegou fogo ao antro».
Em 1928 o clube é encerrado pelas autoridades, em consequência das medidas legislativas tomadas pelo Estado Novo para a repressão do jogo. O edifício mantém-se fechado nos quatro anos seguintes, na esperança de poder voltar a explorar o negócio dos jogos de azar. Em 1932, confrontados com a impossibilidade desta hipótese, os proprietários do Monumental Club procuraram transaccionar com o Grémio Alentejano todos os direitos que possuíam sobre o imóvel, bem como o recheio de que são donos.

Palácio Alverca: O Magestic Club e o Monumental Club |c. 1930|
Rua das Portas de Santo Antão, 44-60
Sala de Bilhar decorado com azulejos de Jorge Colaço.
São de ver-se outras salas, tais as de <estar», «de fumo», de jogos de vasa, com magníficas decorações em azulejos de Jorge Colaço (1918), uma delas dando, a azul, cenas dos «Lusíadas», outra, em pintura policroma, reproduzindo quadros de romaria e feiras de todo o país, outro ainda figurando em grandes painéis caçadas aos javalis, uma da çaçada real do século xv, uma cena medieval de perseguição de touros a rojão[Araújo: 1939]
Fotografia: Casa do Alentejo

Nota(s): A agora denominada Casa do Alentejo ainda hoje tem sede neste palácio e no interior do edifício continuamos a poder ver o trabalho de remodelação que aí foi realizado.
Mais imagens aqui.




Palácio Alverca: O Magestic Club e o Monumental Club |c. 1930|
A barbearia (esq.) e o bar com painel da autoria de José Ferreira Bazaliza (dir.).
Fotografia: Casa do Alentejo







Bibliografia
 VAZ, Cecília Santos, Clubes nocturnos modernos em Lisboa: sociabilidade, diversão e transgressão (1917-1927.
ARAÚJO, Norberto de,, Peregrinações em Lisboa, vol. XIV, p. 105.

Friday 8 March 2024

Avenida 24 de Julho com o Beco da Galharda

O Beco da Galharda — designação de toponímia não oficial — , perpendicular à Avenida 24 de Julho, tem início entre os seus n.ꟹ 68 e 74, dá acesso ao estacionamento existente no logradouro dos edifícios 74 a 76 e termina frente ao n.º 70, e estabelece a ligação com o Pátio do Pinzaleiro.

Paralelo a este  Beco da Galharda «corre o estreito Beco da Galheta (ou da Calheta) — quem dá por ele? — no qual se rasgam, para norte, umas escadinhas, sob passadiços, deixando uma nota pobre de pitoresco. Na segunda metade do século passado, tudo isto por aqui fora eram «tercenas», e que talvez, em rigor, não valessem aquela designação. Não admira, pois, que neste Beco da Galheta [e no da Galharda] se continuem, em série, armazéns encerrados, gradeados, negros — disto que já ninguém lembra o que foi um dia». [...]
É tudo a orla «marginal «velha» do começo do século passado, muito antes do aterramento do areal, quando o mar batia no paredão das tercenas, e por aqui cheirava a maresia, e a cereais quentes pelo repouso nos porões». [Araujo: 1939]

Avenida 24 de Julho (68 -74) com o Beco da Galharda |1912|
Cem anos depois, a fachada do edifício à esquerda — que faz gaveto com o Beco da Galharda — foi recuperada e ainda está de pé, assim como, a fachada do prédio ao centro e na imagem seguinte, por trás do gradeamento que se pode ver mais à direita.
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

As ovarinas (peixeiras) formam com seus pais, maridos e irmãos a mais curiosa população desta cidade, repara Maria Rattazzi (c. 179); população inteiramente à parte e com carácter e feição própria. São esses rudes operários do mar que fornecem peixe à capital do país; os homens embarcam para ir pescá-lo, as mulheres percorrem para vendê-lo as ruas da cidade, levando à cabeça uma canastra de fundo chato, equilibrada com graça e habilidade.
É original a sua maneira de trajar: na cabeça usam um chapéu redondo de feltro preto, de grandes abas reviradas; no peito um lenço de cor; acima da cintura uma larga faixa de lã, que dá várias voltas à roda do corpo; saias curtas só até ao meio da perna; pernas e pés descalços.
[Maria Rattazzi ( 1833-1902 ) . Portugal de Relance . [c . 1879)]

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.
{Cesário Verde (1855-1886, O sentimento dum ocidental, 1880]

Avenida 24 de Julho (68 -74) com o Beco da Galharda |c. 1930|
Ao fundo nota-se a fachada do edifício — que faz gaveto com o Beco da Galharda — aqui ocupado por uma fábrica de chocolates.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Sunday 3 March 2024

Profissões de Antanho: vendedores de melancias

 — Quem a quer da  várzea, melancia á faca!

Era assim o pregão saloio, que os saloios sempre ganharam a vida com a barriga de Lisboa — recorda Calderon Dinis. Escarafunchando a terra magnífica que Deus lhes deu, sabiamente a têm aproveitado tirando partido de tudo o que ela lhes dá. Sempre assim foi e noutros tempos eram eles mesmo que, de rua em rua, apregoavam e vendiam as suas couves e alfaces, como as favas e as ervilhas.
Com a saborosa melancia vermelha e fresca que era uma beleza, os saloios corriam meia Lisboa com as suas carroças, a malta a comprar e eles mesmo a parti-las em grossas talhadas, refrescando-se os lisboetas nas tardes quentes, que aquilo foi sempre fruto de Verão.
Estamos a lembrar-nos que, no largo de Cacilhas, onde hoje é parque e estação de autocarros, se fazia o grande mercado da melancia, amontoadas em pirâmides, tal era a quantidade do magnífico fruto!

Vendedeira de melancias no cais da Ribeira Nova |1912|
As saborosas e frescas talhadas.
J
oshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Vem das várzeas nos grandes catraios — lê-se na Illustração portugueza, 1910 —, nos barcos d'agua à riba e nos cais, da Ribeira Velha a Belém, é ver os homens atirando-as com metódica precisão, dos botes para terra como grandes bolas num torneio. Raramente uma cai para gaudio, regalo e refresco da garotada que d'olho alerta espera sempre ganhar alguma coisa nos espectáculos que presenceia.
Neste tempo a melancia, nascida nas Várzeas de Alcochete e Ribatejo além, bem regada e linda na sua cama de folhas largas é manjar de todas as mesas; cai na cidade como um chuveiro de balas: expõe-se nas portas dos estabelecimentos frutas onde os ricos vão e aparece aos montões nos mercados. As portas das vendas e dos pequenos Jugares lá estão duas ou três; nas mercearias mostram-se com a designação do preço por quilo como se em vez daquela casca verdenegra, que tanas promessas de frescura contem, tivessem os exteriores vermelhos de queijos flamengos.
Mas onde ela tem todo o seu carácter, onde aparece como o anuncio de um grande consolo é na cidade, para os que a não deixam; anunciada no pregão cantarolado:

 — Quem a quer da várzea, melancia á faca!

Profissões de Antanho: descarga melancias no cais da Ribeira Nova |1912|
Uma melancia a voar do barco para o cais.
J
oshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

O pregão atroa Lisboa por este tempo de calor ardente e as mulheres com as suas gigas a cabeça, tostadas pela soalheira, vão vendendo a mais fresca das frutas, a melancia de coração rubro, que é um alarme e é uma delicia.

 — Quem a quer da várzea, melancia á faca!
___________________________________________
Bibliografia
DINIS, Calderon, Tipos e factos da Lisboa do meu tempo: 1970-1974, 1986.
Illustração portugueza, 1910.

Friday 1 March 2024

Rua de Angola com a Rua do Forno do Tijolo

A Rua de Angola, situada na Freguesia dos Anjos, é um topónimo atribuído por Edital Municipal de 19 de Junho de 1933, ao arruamento até aí designado por Rua E entre a Avenida Almirante Reis e o prolongamento da Rua Maria – Bairro das Colónias.

«Xarca (a)» Assim se chama ainda correntemente ao «Caminho do Forno do Tijolo», isto é, à depressão profunda de terreno entre a Graça e o Monte, em Lisboa. Do árabe Axacca (com r intercalado, Axarca (como em «alicerce, alferce», etc.) que significa «fenda», terreno despenhado e apertado, garganta entre colinas», nome que bem convém ao sítio. Como em outros casos, o a inicial tornou-se como o artigo feminino português e diz-se por isso a Xarca.” 
(LOPES e CASTELO-BRANCO, p- 1811968)

Rua de Angola com a Rua do Forno do Tijolo |1960|
Vendedores ambulantes de gravatas e de cintos.
Arnaldo Madureira, in Lisboa de Antigamente
Nota(s): o local da foto não está identificado no abandalhado amL

Particular à sua anterior designação “Caminho do Forno do Tijolo”, esta advém da existência de oficinas e fornos de telha e tijolo na área circundante, devido à riqueza dos terrenos em argila. Sobre os fornos de tijolo que emprestaram primeiro o seu nome ao sítio e depois a um caminho e a uma calçada (actual R. Maria da Fonte), diz o sr. José dos Arqueólogos Portugueses: «Se bem que, como dissemos, essa oficina e fornos, fossem muito antigos, só passaram a dar o nome ao sítio, a partir dos princípios do século XVIII; só dessa época por diante se começa a chamar Sítio do Forno do Tijolo, ao local onde se fabricava a telha e o tijolo e às terras próximas. Até então eram conhecidas vagamente por terras que ficavam ao Almocávar ou ao pé de N. Sr.ª do Monte. «Extintos os fornos e oficina, em meados do século XVIII, a sua memória perdurou no nome das ruas que, cá debaixo desde a Travessa do Maldonado, iam subindo até à Cruz dos Quatro Caminhos: Calçada e Caminho do Forno do Tijolo. Há uns quinze anos desapareceram estes nomes já tradicionais para serem substituídos pelos que agora se ostentam nas esquinas: R. Maria da Fonte e R. Angelina Vidal/R. do Forno do Tijolo (topónimo de 1954) ».
(MACEDO, Luiz Pastor de. Lisboa de lés-a-lés, 1940, pp.  110,111,112)

Rua do Forno do Tijolo |1964-02|
No n.º 3, edifício apalaçado à esq., está sedeada a Casa Provincial das Servas de Maria Ministras dos Enfermos.
Augusto J. Fernandesin Lisboa de Antigamente
 
Web Analytics